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25 junho 2011

Lugares comuns

Chegaste de novo. Apenas chegaste.
Perdido entre gente
transportando sóis e sonhos.
Há quanto tempo
caminhavas
sem reparar
que te perseguia uma sombra?
Mais uma vez me disseste que nos teus olhos
cantavam as melodias
que aprendemos
de cor
no degredo.

25 maio 2011

SEM DOMICILIO nem RESIDENCIA CONHECIDA

«  Há um direito que só muitos poucos intelectuais cuidam de reivindicar: o direito à errância, à vagabundagem. No entanto, a vagabundagem é a emancipação, é a vida ao longo das estradas, a liberdade.

Romper corajosamente, um dia, com todos os entraves que a vida moderna e a fraqueza do nosso coração, a pretexto de liberdade, fizeram pesar sobre os nossos movimentos, pegar no bordão e no alforge simbólicos e partir!

Para quem conhece o valor  e também o delicioso sabor da liberdade solitária (porque apenas sós somos livres), não há acto mais corajoso nem mais belo do que o da partida.
Felicidade egoísta, talvez.  Mas felicidade, seja como for, para quem a souber saborear.

Estar só, ser pobre sem necessidade, ser-se ignorado, estrangeiro, estar em toda a parte, e, solitário e grande caminhar à conquista do mundo.
O sólido caminheiro, sentado à beira da estrada, e que contempla o horizonte livre que se abre à sua frente, não será senhor absoluto das terras, das águas e até dos céus?

Que castelo poderá rivalizar com ele em poderio e opulência?
O seu feudo não tem limites. O seu império não tem leis.
Nenhuma servidão lhe avilta o porte, nenhum labor lhe inclina a cerviz para a terra que possui e se lhe entrega, inteira, cheia de bondade e beleza.

O pária na nossa sociedade moderna, é o nómada, o vagabundo, «sem domicilio nem residência conhecidos».
Ter um domicílio, uma família, uma propriedade ou uma função pública, meios de existência definidos, eis outras tantas coisas que parecem necessárias, indispensáveis quase, à imensa maioria dos homens, incluindo mesmo os intelectuais que se crêem mais emancipados.

Todavia, todas essas coisas, são apenas formas variadas da escravidão a que nos obriga o contacto com os nossos semelhantes. Sobretudo um contacto contínuo e bem regrado.

Sempre ouvi com admiração mas sem inveja as histórias de pessoas honestas que vivem 20 ou 30 anos no mesmo bairro e, até na mesma casa e que nunca deixaram a sua terra natal.

Não se sentir a necessidade torturante de saber e ver o que há para lá da misteriosa muralha azul do horizonte...
Ver a estrada que parte muito branca, para distâncias desconhecidas, sem se sofrer a necessidade imperiosa de partir com ela....sim toda essa pávida necessidade de imobilidade se assemelha à resignação inconsciente do animal que a servidão embruteceu e estende o pescoço para aceitar os arreios.

Toda a propriedade tem as suas extremas. Todo o poder as suas leis.
O caminheiro possui toda a grande terra cujos limites são o horizonte irreal. O seu império é invulnerável porque ele governa e goza em espírito.»


Isabelle Eberhardt 1877-1904
"Escritos no Deserto"

Amadrugar em Jazz

Quero amadrugar
com as primeiras sombras!

Nas janelas de luz amarelada
e abrir os olhos
dentro da bolha dos vidros
num bafo de sonos
adormecidos.....

Quero a luz
a reflectir como agora!
Cravada na lua como garras de roseira.

Quero amadrugar
nos relevos
das paredes
ensombradas
e na porta da casa
que chia
em cada entreabrir.

Amadrugar com bons dias!
desconhecidos
e alguma melodia de Coltrane
a entorpecer
a  avenida.

19 março 2011

SubUrbano

Os combóios suburbanos às portas
de Benfica
Um T2+1
com vista para a paragem
do 54.
Ainda assim
rés do chão alto!
Os residentes na segurança
dos vidros duplos
comentam o jogo do Benfica --ah! ah!
e o basfond da plataforma 1
às vezes 2
que liga o extremo de duas vidas
entre linhas paralelas
(que nunca se tocam )

Os comboios suburbanos
andam atrasados.

25 fevereiro 2011

Enrredos

Fazes-me falta agora.

Como uma pérgola de roseiras bravas que me enrreda.
Um número de porta
falta aparentemente silenciosa.

Como o arco
num esboço qualquer de
passagem ao inequívoco.

Fazes-me falta no balanço
que provoca
a inércia da tarde
e no vôo oblíquo -desnorteado-
que se larga no abismo de algum sonho.

No olhar   va  ga  ro  so.

No desalinhar de gestos rebeldes
e nos dedos descuidados. 
De manhãzinha quando as palavras são demais.

Fazes-me falta
como este espaço cego de paisagem quando abro a janela.
Hoje.

13 fevereiro 2011

De onde vens?

I.

Não era grande nem pequeno
nem sequer continha dimensão
o teu gemido
Tão pouco glorioso.

Não ousava desvendar-te o meu segredo
ou por menos
desvendar o meu ardor.

Esperava o momento
em que soltasses com raiva
ou agonia
algum pequeno estilhaço
comparado
ao infinito.

II.

Talvez meu falar transforme
com alguma palavra descuidada
- que por isso ganha força desmedida-
o simples sentimento
o excessivo zelo
em querela rotineira
ou briga garantida.

Assim feito de desassossego
o mel das flores amarga
a alma silencia
e se tornam percursos sinuosos
caminhos antes feitos de euforia.

Repara no entanto quão vãs são as palavras
comparadas à grandeza das estrêlas.


III.

Fala-me antes amor
das searas e montanhas
sacudidas pelos ventos
abraçadas pelas brumas
pacientemente aguardando as mudanças.

E se assim em lentos passos se avança
para quê tornar atrás por novos rumos?


IV.

Pudera eu dizer-te meu amigo
se asas dera eu ao pensamento
quanta riqueza houvera
e negaria
para em teus braços afagar os meus lamentos
e de ti não apartar meu coração.

Na mais simples das mansardas viveria
sem tormentos ou angústias que sofrer
ouvindo p'las manhãs a cotovia
e os gritos do pavão ao entardecer.

Porém meu ser
pequeno grão de areia vai rolando

tranquilamente embalado pelos ventos
em universos difusos
e sentimentos tantos!

E assim se vão as noites pelos dias.

03 janeiro 2011

Chagrin


Dormes debaixo do céu rebaixado
em cálices ansiados
de vinho tinto
Nem sempre amante
nem sempre amado.
Soluços demorados de perguntas.
Bonsoir
Saint Germain!
Tanto, tantos os olhos demorados
as perguntas as perguntas e os soluços.

Hoje misturei a diferença.
  
Na mistura
de todas as coisas imprevistas. 
Vírgulas interrogações e pontos finais. 
Monologuei entre esquinas e 
chovia.

Rien a déclarer?

Bebam todos às revoltas dos poemas.
Acreditem: la solitude. Pontuem as silabas e decidam as palavras!!!!!
Decidam as palavras. De uma vez por todas.

Acreditem na revolta. Remexam as texturas. Gritem as mentiras e cantem as verdades.